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Hoje abri a gaveta dos sonhos. Guardo-os, à esquerda, ao fundo. Poiso-os sobre a madeira de câmbala amarela, antiga, que acolhe os meus mais recentes sonhos. E eles encostam-se uns aos outros, apertam-se entre si. Sabem-se parte de uma só história, a minha. São os do dia, e da noite!
Hoje abri a gaveta dos sonhos. Meti a mão. Encontrei o calor da tua. Que bom! Saudoso toque o teu. Sabes bem que és tu quem vagueia nas histórias que invento. Invento-as para mim. Por mim. Invento-me com a tua presença. Julgas-me?! Pensas que faço bluf... faço-o! Existe nos meus gestos uma metamorfose que faz as minhas mãos bailarem e que, no meu corpo, faz as asas caírem... e ainda assim voo! Voo na direcção que quero e sempre no sentido dos meus mais secretos desejos. Tu... sempre o foste! Nem me importa saber como... a partir de quando... quanto!
Os meus excessos são tão subtis quanto eu. Excedo-me no olhar, no ar que inspiro... suspiro!
Hoje abri a gavetas dos sonhos e senti o teu aroma emanar-se pelo quarto. Abri-a para guardar o desta noite, à esquerda, ao fundo. Mais um pouquinho de mim. Reconstruí-me de todos estes pedacinhos que invento, vivo, guardo. Sonhos que me aquecem o corpo. Sonhos que me fazem bater o coração e apressam a corrida sanguínea. Sonhos que me devolvem a mim.
É verdade que me maquilho. Alongo as pestanas e escureço os olhos. Com um toque de baton esboço um sorriso, aberto, doce. Sim! Faço-o para me embelezar nos sonhos. E faço-o porque é lá que estás.
Hoje abri a gavetas dos sonhos.
Sei que não me entendes... que não sabes do que falo, para quem falo! Sei que não me ouves... porque o que digo, não sendo falso, fica na profunda doçura de uma noite só minha. Sei que não sabes ler-me... porque o que escrevo, não sendo as mais belas palavras, é a mais absoluta divagação do eu. Se falo em cartas, quis dizer flores... se falo no futuro, relembro o passado. Divago... como eu divago!!! Não há quem o faça melhor que eu! E falo muito... sem falar demais! E aprendi a saber ouvir demasiado e a não esquecer nada do que é dito. Repito, palavra por palavra, aquilo que um dia ouvi dos teus lábios. Mas tenho a certeza que não sabes do que falo! Também sei que leio o que não escreves, mas isso faz parte dos meus sonhos!
Hoje abri a gaveta dos sonhos para, uma vez mais, guardar um pedacinho de nós. E, o melhor de tudo isto, é que me parece sempre que nada foi um sonho.
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